Ectomorfos Realmente Existem?

O biotipo "ectomorfo" é uma coisa real? Deveríamos nos descrever assim?



O que é um ectomorfo? Eles realmente existem? Onde vivem? Do que se alimentam?

Será que esse é mesmo o jeito mais adequado de descrever uma pessoa que é naturalmente magra? Ou pior, é realmente útil rotular alguém - ou se autorrotular - assim?

Essas perguntas podem ter lhe pego de surpresa, afinal você já ouviu falar sobre biotipos diversas vezes e em vários lugares diferentes. Então, deve ser consenso, não é?

Mas uma pesquisa mais aprofundada nos mostra que esse é um tópico um tanto controverso, principalmente levando em conta seu passado sombrio.

 

O que é

A palavra ectomorfo é usada no meio fitness para descrever uma pessoa estruturalmente magra, de porte físico esguio e ossos finos, frequentemente com dificuldade de ganhar peso e/ou facilidade para perder.

 

De onde surgiu

Repondendo a primeira pergunta: Biotipos ectomorfos, de fato, existem! Afinal, alguém inventou esse nome.

Sendo mais preciso, foi William Herbert Sheldon quem criou os biotipos (ou somatótipos) na década de 1940.

Segundo Sheldon, o somatótipo ectomorfo tendia à linearidade - ou seja, um fiapo, um risco (e o fedor). Eles tinham rostos afilados, tórax e abdômen estreitos, braços e pernas longos e finos, pouca gordura corporal e poucos músculos, mas uma grande área superficial de pele. Sheldon ainda dizia que mesmo bem alimentado o ectomorfo não ganharia peso facilmente e, caso ganhasse, ainda assim seria considerado um ectomorfo, só que com sobrepeso (alô falsos magros, isso lhes soa familiar?).

A classificação de Sheldon nada mais era do que uma constatação da própria realidade. Magrelos existem! Muitos de vocês que estão lendo isso se identificam com várias dessas características.

O problema era que a pesquisa de Sheldon nada tinha a ver com o físico - a forma corporal era apenas um meio. Ele era um psicologista, criador da Psicologia Constitucional. Sheldon acreditava que o tipo físico determinava os traços de personalidade, caráter e temperamento de uma pessoa - uma ideia que hoje em dia seria considerada pseudociência.

Para ele, o biotipo ectomorfo seria introvertido, ansioso, quieto, artístico e inteligente. Isso me descrevia tão bem que, na primeira vez que eu li, eu até acreditei. Mas aí eu comecei a lembrar de meus amigos magrelos de várias épocas da vida e em como eles eram diferentes de mim, alguns menos ansiosos, alguns extrovertidos (até demais), alguns nada artísticos...

Enfim, Sheldon nunca conseguiu provar uma relação entre o físico e o psicológico. Além disso, sua assistente, Barbara Heath, o acusou de publicar dados falsos em seus estudos.

Sua teoria era mesmo pseudociência e ela foi desacreditada no meio científico. Principalmente após “O Grande Escândalo dos Nudes das Fotos Posturais da Ivy League”, em que Sheldon usou em seus trabalhos milhares de fotos de alunos universitários nus, sem qualquer tipo de consentimento.

Algumas dessas fotos podem ser encontradas no livro de William Sheldon, “Atlas of Men”:

Um típico "ectomorfo" (117) na concepção de Sheldon

Embora William Sheldon tenha sido “cancelado” por conta desses episódios, os três biotipos criados por ele - ectomorfo, mesomorfo e endomorfo  - ainda continuam sendo usados até hoje.

Essa não foi a primeira tentativa de dar nomes aos diferentes tipos físicos humanos, mas certamente a nomenclatura de Sheldon foi a que mais “pegou”.

 

Como saber se sou Ectomorfo

Teste do Pulso

Você já deve ter visto aqueles testes para determinar seu biotipo, como o da imagem acima. Um dos mais famosos é tentar envolver o próprio pulso com seus dedos polegar e médio. De acordo com esse teste, se você conseguir sobrepor um dedo ao outro (sobrar dedos ao redor do punho), você seria um ectomorfo.

Melhor dizer, desde já, que esse teste é balela e não tem nenhuma comprovação científica. Ele depende tanto do tamanho do seu pulso quanto do tamanho da sua mão. Se um ectomorfo tem mão pequena, o teste pode dizer erroneamente que ele não é um ectomorfo.

 

Equações de Heath e Carter

O método mais científico de determinar seu biotipo seria através das equações de Heath e Carter. Uma evolução dos somatótipos - e dessa vez aplicada à avaliação corporal e esporte/exercício físico.

O problema desse teste é que ele é complicado. Você precisa fazer um cálculo para cada componente - ectomorfia, mesomorfia e endomorfia; e alguns deles exigem equipamentos especializados de medição. O cálculo de ectomorfia, no entanto, é relativamente simples:

Primeiro, você calcula sua “Razão Altura-Peso” (HWR) com a fórmula:

HWR = Altura(cm) / Peso(kg)⁰𑁦³³³³

Dica: primeiro eleve seu peso (em kg) por 0,3333 (p.s.: isso é a mesma coisa que a raiz cúbica de seu peso - se sua calculadora tiver esse operador, pode usá-lo); depois disso, divida sua altura (em cm) pelo resultado obtido com o primeiro cálculo.


Sabendo sua HWR, você vai para a segunda parte do cálculo conforme seu resultado:

Se sua HWR for maior que 40,75 - e se você for mesmo ectomorfo, ela será - o cálculo é:

Ectomorfia = 0,732 x HWR - 28,58

Se sua HWR for menor que 40,75 e maior do que 38,25 use o cálculo:

Ectomorfia = 0,463 x HWR - 17,63

Por fim, se sua HWR for menor que 38,25:

Ectomorfia = 0,1 (o que significa que você não tem nada de ectomorfo conforme esse método)

 

Quanto mais próximo de 7 (ou até mais) seu resultado for, mais “ectomorfo” você será; e quanto mais próximo de zero, menos ectomorfo.

Embora esse seja um método científico de determinar sua ectomorfia, na minha humilde opinião, ele deixa a desejar. Note que ele usa apenas seu peso e altura nas equações; e não é apenas nosso peso e altura que determina nosso somatótipo se considerarmos que o biotipo é algo estrutural (que não muda).

Por isso, eu proponho uma equação melhor e mais simples.

 

Equações de Casey Butt

As equações de Casey Butt são baseadas em observações feitas pelo pesquisador em fisiculturistas, além de estudos que sugerem que o peso ósseo é o principal fator limitante para o quanto de peso magro (ou massa muscular) nossa estrutura corporal pode suportar.

Os ectomorfos têm ossos pequenos/finos. E como após os 20-25 anos nossa massa óssea já atingiu seu pico, depois disso ela não mais se altera (até começarmos a perdê-la por volta dos 50). Ou seja, nosso biotipo é estrutural, mesmo que engordemos, não deixamos de ser ectomorfos; mesmo que ganhemos músculos, continuamos sendo ectomorfos, pois nossa estrutura óssea continua igual.

Ou seja, a equação de Casey Butt entende que o biotipo ectomorfo (que ele chama de “hardgainer”) é determinado pela estrutura óssea.

Para isso, ele usa um cálculo muito simples, baseado em duas medidas tão simples quanto:

    1. Primeiro, meça a circunferência de seu tornozelo (CT) no ponto mais fino (use uma fita métrica);
    2. Depois, meça a circunferência de seu pulso (CP) acima (em direção à sua mão) daquele ossinho protuberante no prolongamento do dedo mindinho (o processo estiloide da ulna - pesquise no Google se não souber o que é); 
    3. Agora, usando sua altura, basta calcular e comparar - você é ectomorfo se:

Sua CP 0,1045 x Altura(cm)

E sua CT 0,1268 x Altura(cm)

Traduzindo em palavras, se seu pulso for pequeno para sua altura (menor ou igual a 10,45% dela), você é um ectomorfo na parte superior de seu corpo.

Se seu tornozelo for pequeno para sua altura (menor ou igual a 12,68% dela), você é um ectomorfo na parte inferior de seu corpo.


A maioria de nós, magrelos estruturais, vai descobrir que nossos ossos são pequenos tanto no pulso quanto no tornozelo. Logo, você pode se considerar um “ectomorfo” (ou hardgainer) pela equação de Casey Butt.

 

Agora que conhecemos a história e sabemos como determinar se somos ectomorfos ou não...


Deveríamos parar de nos chamar de ectomorfos?

Quando eu comecei na musculação, ainda na adolescência, e tentei ganhar massa pela primeira vez, eu tive muita dificuldade. Nenhum dos conselhos fitness parecia funcionar para mim. Eu praticamente tentei de tudo e não mudei nada.

Não demorou muito até eu descobrir o termo “ectomorfo” e, também, descobrir que existia uma série de indicações para pessoas como eu, que sofriam para ganhar massa; desde o treino até a dieta. Isso me fez repensar um pouco a forma como eu encarava meu treino e, principalmente, dieta (não que eu tenha conseguido fazer isso rapidamente).

Naquela época, eu achava que o biotipo ectomorfo era um senso comum - todo mundo sabia que existia e do que se tratava.

Muitos anos depois (já há pouco tempo atrás), eu comecei a ver influenciadores fitness criticando o termo ectomorfo e dizendo que isso não existe, que era uma pseudociência. Confesso que fiquei confuso e fui atrás da origem do termo (que eu já te contei lá no início desse artigo). Eu mesmo parei de usar o termo “ectomorfo” depois disso.

Mas será que devemos mesmo parar de nos descrevermos como “ectomorfos”? Deveríamos nos chamar de magrelos apenas? Ambas as palavras descrevem pessoas magras, mas para mim, elas descrevem coisas diferentes.

 

A diferença entre ectomorfos e magrelos

Nós poderíamos nos descrever como magrelos, mas isso não duraria muito tempo. Assim que magrelos começam a treinar e a fazer dietas de bulking, seus corpos primeiro deixam de ser magrelos, depois eles ficam “em forma”, depois viram atléticos e, finalmente, sarados.

Eu sei porque isso aconteceu comigo. Apesar de ser naturalmente magro, depois de tantos anos treinando e “bulkando” eu não sou mais um magrelo. Quem me vê hoje, não imagina quão magrelo eu era no passado.

O mesmo acontece com vários outros magrelos. Ser magrelo não nos impede de ganhar músculos e deixar de ser magrelo. Mesmo assim, nossa estrutura óssea continua a mesma. Nós ainda somos “ectomorfos”; nossos pulsos e tornozelos continuam sendo finos para nossa altura.

Mesmo depois de sair dos 70kg para os 90kg e atualmente preencher uma camiseta tamanho G, eu ainda sou um ectomorfo. Meus resultados nas equações de Casey Butt ainda me colocam de 5 a 10% abaixo do mínimo necessário para não ser considerado “ectomorfo”. Eu ainda tenho dificuldade de ganhar peso (após certo ponto) e facilidade para emagrecer (mesmo sem tentar).

Aqui na internet eu ajudo magrelos a se tornarem sarados; muitos de nós nos descrevemos como ectomorfos. É uma palavra que carrega toda uma “bagagem”, todo um significado consigo. E quando falamos isso, não estamos nos referindo ao quão ansiosos ou introvertidos nós somos, como Sheldon acreditava. Ao falarmos “ectomorfo”, nós pensamos prontamente em indivíduos naturalmente magros com físicos estruturalmente esguios.

É a isso que nos referimos.

Contudo, para evitar controvérsias com a comunidade “baseada em evidência”, eu acabo evitando utilizar muito o termo “ectomorfo”, embora eu ache que ele ainda é o que melhor nos descreve. Na maioria das vezes você me verá escrever “naturalmente magro” ou “estruturalmente magro”. São termos que trazem menos “bagagem histórica” do que ectomorfo. Mas saiba que estamos nos referindo à mesma coisa.

 

Existe um treino para ectomorfo?

Independente da forma como nos referimos a nossos corpos, a grande pergunta sempre foi: Ectomorfos precisam treinar de forma diferente?

Será que existe um treino específico para um ectomorfo? No passado, quando eu comecei a pesquisar sobre o tema, a maioria das fontes dizia que ectomorfos gastavam muitas calorias e tinham dificuldade na recuperação. Por isso, seu treino deveria ser curto (gastando pouca energia) e trabalhar apenas os exercícios básicos.

Essa recomendação não é unicamente para ectomorfos, mas, na verdade, se aplica para iniciantes no treino resistido (i.e., musculação) em geral.

Existem várias formas de se treinar com pesos.

Muitos dos treinos iniciantes (Starting Strength, 5x5, etc.) são voltados para força máxima - treino de força. Eles não são ruins para ectomorfos, mas eles são responsáveis por lhe tornar forte para seu tamanho (ou mais forte do que grande/musculoso). Normalmente, eles trabalham apenas os exercícios básicos - e eles também podem ser curtos, ou não.

No outro extremo, temos treinos resistidos com alta demanda aeróbica, como o Crossfit e o funcional, por exemplo. Esses treinos normalmente são ótimos para pessoas que querem perder gordura mantendo a musculatura, já que eles têm uma alta demanda energética (gasto calórico) por sessão. Frequentemente eles são curtos e intensos e, normalmente, eles trabalham apenas os exercícios básicos (ao menos nos exercícios com barras e pesos).

Por fim, temos o treino de hipertrofia, que é voltado para o crescimento muscular. O fisiculturismo é o mais famoso exemplo. Quando tiramos a parte das tanguinhas, poses e óleos bronzeadores, bem como o excesso de preocupação com os mínimos detalhes, temos um treino de hipertrofia.

O treino de hipertrofia, ao contrário do treino de força, nos torna "grandes para nossa força" (mais musculosos do que fortes). Nos ectomorfos, normalmente o que falta são músculos. Isso faz com que o treino de hipertrofia seja excelente para ectomorfos.

Nós também podemos fazê-los curtos e podemos usar apenas os exercícios básicos. Eu fiz isso durante muito tempo; contudo, alguns músculos acabam negligenciados e, principalmente para magrelos, eu aconselho complementar o treino com exercícios isolados para esses grupos (braços e ombros principalmente).

Para um bom treino de hipertrofia (iniciante/intermediário), eu normalmente recomendo:

    1. Treine de 2 a 5 vezes por semana (quanto mais iniciante, menor a frequência necessária);
    2. Faça 5 a 7 exercícios por dia - iniciando o treino com exercícios básicos e finalizando com exercícios mais isolados para músculos menos trabalhados;
    3. Use repetições médias - de 6 a 15 (20 em pouquíssimos casos) repetições;
    4. Use um volume (séries) suficiente para gerar um bom trabalho muscular (provocando fadiga);
    5. Faça descansos longos entre séries de um mesmo exercício - 2 a 3 minutos para a maioria dos exercícios básicos e 1,5 a 2 minutos para exercícios isolados;
    6. Use progressão constante - seja linear (boa para os básicos) ou dupla, ambas são ótimas formas de progressão para iniciantes.
    7. Avalie constantemente estímulo e recuperação - para ver se não está treinando “de menos” nem “demais”.

No geral, quanto maior o volume de exercícios (até certo ponto), maior o resultado; porém, há exceções. Algumas pessoas produzem tanta inflamação que seria melhor elas reduzirem o volume de treino para se recuperar melhor.

No entanto, isso não é uma exclusividade de ectomorfos.

 

Existe uma dieta para ectomorfo?

Normalmente, quando se fala de ganho de massa na musculação, o conselho clássico é: “Apenas treine direito e coma muito”.

Isso até pode funcionar para pessoas que têm ideia do que é comer muito. Infelizmente, esse não é o caso para a maioria dos ectomorfos iniciantes - nem para a maioria dos magrelos.

Para ganhar massa, nós precisamos seguir uma dieta específica. Ela se chama “bulking”.

Bulking é uma dieta voltada para, em conjunto com o treino, maximizar o ganho de massa muscular.

Não basta comer muito, precisamos comer muitas calorias; precisamos de um superávit calórico. Temos que ganhar peso. Afinal, nosso corpo precisa adicionar mais matéria para seu interior para ganharmos músculos. Esse é o ponto em que a maioria dos magrelos e ectomorfos normalmente erra.

Bulking também não é uma exclusividade de ectomorfos, a maioria dos fisiculturistas faz.

Simplificando (bastante) o bulking em 7 recomendações, abaixo estão os conselhos para ectomorfos que querem ganhar músculos:

    1. Não coma low-carb, cetogênica, carnívora, não faça jejum intermitente ou outras dietas feitas para pessoas que querem emagrecer - se nosso objetivo é outro, nossa dieta tem que ser outra;
    2. Coma uma dieta de bulking variada e farta - nada de comer só arroz, peito de frango e brócolis - quanto maior a variedade, mais fácil ingerir mais calorias e melhor a qualidade nutricional de sua dieta;
    3. Coma de 4 a 7 refeições por dia;
    4. Aumente o número de lanches antes de aumentar a quantidade de alimento em cada refeição;
    5. Coma mais proteína - pelo menos 1,6 g/kg/dia (de preferência em todas as refeições);
    6. Procure ganhar ~400-500g de peso corporal por semana;
    7. Abuse de calorias líquidas (sucos, shakes, suplementos e outras bebidas calóricas), se necessário para bater suas metas.

 

Concluindo

O termo ectomorfo tem origens sombrias e pseudocientíficas. Porém, a linguagem evolui e, hoje em dia, ele é usado para descrever pessoas naturalmente/estruturalmente magrelas.

O mundo fitness resolveu se apropriar desse termo há décadas atrás. Até hoje ele ainda é o termo dominante no nicho da maromba/musculação. É fácil entender o porquê: uma simples palavra consegue comunicar muitas ideias.

Nós, “ectomorfos” ou “naturalmente magros”, usualmente temos objetivos diferentes da maioria; nossas dietas e treinos precisam ir ao encontro deles.


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